domingo, 7 de março de 2010

SALVADOR A PORTO ALEGRE (Chegando em casa)

Saí de Salvador com previsão não muito boa apesar de ter esperado mais que eu queria, acordei às cinco da manhã de sábado 11/10, soltei as amarras do Centro Náutico da Bahia, atracando ao largo do forte São Marcelo no posto flutuante para abastecer, (diesel) e seguir rumo a Angra dos Reis no Rio de janeiro. Saída às 6.30 da manhã em contra vento, sabia que teria um ou dois dias difíceis, mas depois seria só popa, com uma previsão apertada que mal daria para chegar devido a uma frente que estava prevista para os próximos cinco dias.
O primeiro dia orçando, muitos navios, dormi pouco lua clara 76% até duas da manhã. 12/10, lindo dia, todo velejado; à noite sem movimento, onda vento e lua 86% até as quatro da manhã. De dia avistei bastante baleias perto de Abrolhos. O piloto automático que esta meio descalibrado! Pois mexi muito nele mas dá pra esperar, quando chegar a Angra em uma Baía abrigada poderei calibrar e deixar 100%. 13/10, madrugada muito movimentada, lua 90% até as quatro da manhã, muita onda e muito vento de popa, na rajada chega a 32 nós. 14/10, traves de vitoria, uma dor na coluna me acompanha desde Salvador, acho que ando meio atrofiado, pois durante toda a travessia fiquei totalmente sedentário, à tarde o vento aumentou e as ondas também, aproei o barco para rizar, o vento de vinte nós aproado parecia dobrar e com dor na coluna não consegui fazer força, quando baixei a grande para o rizo, ela passou do ponto e não consegui riza-la, pois a dor era muito forte. Resolvi ficar só de genoa, prendi a adriça para não ter problemas. Botei o Barco no rumo, quando fui abrir a genoa senti que não poderia recolher, caso necessário; na duvida de ter que recolher se o vento aumentasse, abri só sessenta por cento, dei muita sorte, pois à noite o vento não baixou de trinta nós descendo onda, e manobrando no meio das plataformas da Petrobras. As Plataformas novas não estão na minha carta, fiz uma navegação para escapar dos pesqueiros navios e plataforma, as que estavam na carta!
Às nove horas da noite dobrei o farol do Cabo Frio, vento de traves 15 nós para não fazer muito esforço só genoa trabalhando, fiz meu turno de cochilo acordei meia noite com vento forte na cara, recolhi a genoa toquei a motor, baixou um forte nevoeiro sem visibilidade até as três da madrugada. Cansado apaguei em um só sono acordado pelo radar avisando da plataforma de petróleo, localizada em frente ao Rio de janeiro próximo as seis da manhã. Segui direto agora sem vento com motor, às três da tarde começou a soprar o SE é a frente fria chegando, oito e trinta da noite sob chuva ancorei na enseada do Sitio Forte na Ilha Grande. Amanheceu saí rumo ao Bracuy, em frente à Ilha da Gipoia, fiz uma parada para calibragem do piloto, tudo acertado segui meu rumo. A duas milhas da marina encontrei o veleiro Acauã saindo para navegar, falei com Weber via radio recebendo boas vindas da tripulação conterrânea. Tudo arrumado na marina barco ajeitado para ficar um mês enquanto volto para Porto Alegre para ver minha família. Um mês depois,dia 13/11 Chegamos eu e a Cleuza de noite a Angra. Passamos o final de semana curtindo a Ilha Grande. Na segunda feira a Cleuza desembarcou no Piratas para retornar a Porto Alegre. Saí do Piratas Mall em Angra ao meio dia, em 17/11, a Cleuza para o aeroporto e eu para o mar, o tempo estava ruim, na saída um vento de 23 nós SE me levou até a saída da ilha Grande, botei meu rumo na ponta da Joatinga, o vento aumentou, chegando a trinta nós com rajadas de trinta e quatro, e com ele a chuva veio forte e fiquei sem visibilidade, a minha tentativa de adiantar a viagem até Ilha bela no contra vento, não seria uma boa pedida, resolvi arribar para Parati, pois seria melhor esperar uma previsão mais confortável. Ancorei na prainha em frente à Ilha do Bexiga, La estava o veleiro Rapunzel o Charrua e o Janmaluce. O Roberto do Charrua veio ao barco dar boas vindas, tomamos um vinho pra comemorar e por o papo em dia. 18/11 as nove da manha sai rumo a Ilha Bela, mar muito mexido na ponta da Joatinga. Naveguei por uma hora no contra vento de 12 nós, em seguida virou pra leste e foi uma velejada maravilhosa começou com 10 nós chegando ao maravilhoso 18 nós, Traves folgado. À tarde faltando 10 milhas pra chegar à entrada da ilha, entrou uma pauleira SSE, com chuva e rajadas de vento de até trinta nós, isso foi até a chegada só amenizando pelo abrigo da ilha, às 22 horas chamei o Iate clube de Ilha bela pelo Radio, mas ninguém respondeu, investi pra cima de uma poita e consegui pega-la na primeira tentativa e atracar o barco. Barco amarrado chegou o marinheiro do clube com o Barco de apoio, perguntei se podia ficar naquela poita só pra passar a noite, disse que aquela poita era ruim por ficar muito fora do abrigo e ter correnteza, me arrumou uma poita melhor, e me ajudou na atracagem. Às oito horas de 19/11 sai rumo a Porto Belo, as previsões não eram boas, pois o mar com ressaca deixava o mar mexido igual bolacha na boca de velha, mas o vento era favorável. Uma bela velejada vento 14 nós traves folgado, ao meio dia fiz contra filé assado com arroz e salada.
Infelizmente depois de quase 16000 milhas navegadas nesta viagem, de ter superado todos os receios de uma navegada em solitário, que para mim foi uma das melhores decisões, em nenhum momento senti medo, ou tive alguma situação que pudesse por em risco a minha vida ou o meu equipamento, tudo bem planejado e consciente para o meu feito, por este motivo o sucesso, e me apaixonei por navegar em solitário. Às 23 horas do mesmo dia no traves de Peruíbe SP a 40 milhas da costa aproximadamente, Lat. 24⁰58, 634. S. Long. 046⁰ 26, 237. W. Quando dei uma revisada ao redor do barco para poder dar um cochilo, vi um barco a duas milhas de distancia no traves de boreste, fui conferir o radar para ver o que havia pois ele não me avisou da aproximação, não estava funcionando dava um aviso de SEM PULSO, o barco em questão me acompanhando paralelamente e se aproximando, estava velejando com grande risada e genoa numa velocidade de 6 nós, liguei o motor no giro Maximo permitido pelo fabricante, e o barco também aumentou a velocidade me acompanhando e se aproximando, dei 10 graus para bombordo e o barco também, orcei mais 20 graus a bombordo e o barco já estava em minha popa a uns quinhentos metros de distancia e se aproximando, chamei no radio pra saber se estavam com algum problema e nada me responderam, tentei me controlar pra não entrar em pânico, confesso que sentia o coração saltar achando que podia de repente estourar as veias que pulsavam até a garganta, sensação horrível impotente e pela primeira vez um verdadeiro medo, cheguei a pensar em saltar na água com colete, pois o que poderia acontecer comigo, só em um barco como o Entre Pólos, bem equipado e cheio de meus pertences de uma casa que esta a muito navegando. Apaguei as luzes de navegação diminui a luminosidade dos instrumentos, quanto mais se aproximaram perto dos 100 metros já podia ver a sombra dos tripulantes no tal barco, arribei os trinta graus que havia orçado e o barco disparou com velas cheias e motor a pleno, talvez tenha conseguido andar a um nó a mais, que talvez fizesse a diferença de eu estar aqui relatando este infeliz acontecimento, me acalmando, vi o barco manter o rumo, cheguei até a pensar que estava enganado, e que poderia ser uma infeliz coincidência e eles estarem indo em outra direção, mas em seguida eles mudaram o rumo e pela luz de navegação via mudar de bordo, as vezes BB as vezes BE tentando me avistar e ficando para traz cada vez mais longe para meu alivio. Mesmo com vento mantive o motor ligado até Porto Belo. Não consegui dormir aquela noite, tive que navegar no escuro e sem radar fazendo eu a vigia. Nunca na vida peguei uma arma na mão, será que pra navegar terei que me armar? Ou desistir de velejar, pois o lugar que mais me sentia seguro era no barco navegando, sempre comparei a segurança urbana com a segurança a bordo, tudo mostra ser mais seguro navegar. Já fui assaltado na vida urbana algumas vezes, esta tentativa de abordagem me abalou mais, pois se estes tivessem me alcançado as chances seriam menores. Agora vou tentar esquecer para continuar navegando, e feliz por estar inteiro, e poder rever minha mulher e meus filhos. Ontem quando cheguei a Porto Belo liguei para um amigo em Parati, Roberto do veleiro Charrua, pedi para ele avisar o Janmaluce, pois o Iam iria fazer o mesmo trajeto esta semana, o Roberto aproveitou e relatou o acontecido com o pessoal da marinha, que confirmou a existência destes acontecimentos naquela região, e que já estavam tomando providencias. A navegada a Porto Belo depois do incidente foi tranqüila, mesmo com enormes ondas pela ressaca, muito vento e mar desencontrado, teve duas tempestades com muita chuva e vento na chegada, mas como conheço bem esta área, o fundeio na baia em frente à Ilha foi tranqüilo, cheguei as 23 horas em 20/11 pude dormir bem. Amanheceu a primeira providencia foi relatar a perseguição que sofri e mandar por email para todos os amigos navegadores, não poupei nenhum endereço, muitos me responderam sendo muito solidários me dando apoio para continuar. Os quatro dias que fiquei em Porto Belo, foram de muita chuva e muito vento. No meu fundeio ao largo do Iate clube de Porto Belo, as rajadas chegavam a 34 nós, há enchente em Blumenau, e arredores com desmoronamento era a noticia na televisão Local. Telefonei para minha mãe e minha irmã que moram em Blumenau me relatavam com tristeza os acontecimentos, e eu ilhado no barco sem poder fazer nada, é muito triste, pois Blumenau é minha terra, a terra que nasci e me criei, também estas enchentes que sempre castigaram esse povo tem uma parcela na minha vida náutica, pois na minha infância passei por muitas enchentes. Apesar de ser uma maldição, para as crianças na época era divertido andar nas águas remar as velhas bateras e botes de madeira, nestes velhos tempos as enchentes não eram tão devastadoras e não havia desmoronamentos, nem sempre tinham vitimas fatais, na maioria eram só prejuízos materiais. Muitos morros que eram matas nativas foram valorizando e viraram loteamentos, condomínios seguros e livres de enchentes, mas ninguém contava com os desmoronamentos, talvez o crescimento imobiliário desenfreado possa ser um dos responsáveis. Mudarem a natureza sem estudar com mais clareza, o lado financeiro teve mais força. Domingo depois de quase três dias ilhado, tive que desembarcar com bote, muita chuva e vento um péssimo desembarque, com muito sacrifício tive que ir ao super mercado, pois fecharia as 13horas. Segunda feira dia 24/11, a chuva e o vento deu trégua, aproveitei para subir ao mastro para tentar consertar a antena do radar, funcionou. Deixei tudo em ordem para sair cedo no dia seguinte. 25/11 queria ter saído às três da manhã, mas resolvi sair ao clarear do dia, pois tinha muitos pesqueiros fundeado perto, o vento muito forte seria uma tarefa perigosa para em solitário, fazer toda a manobra de subir ferro e sair de perto dos barcos, assim às sete horas comecei meu retorno para casa. Sai a motor com o grande no segundo rizo, passando a ponta de bombas conferi o Radar e já não funcionava mais, mesmo aviso na tela, SEM PULSO, mas já deu rumo pra vela, ao passar o abrigo da Ilha do Arvoredo saiu o sol meio tímido, mas bem vindo. Mudei o rumo, armei em asa de pombo uma navegada espetacular, seria o prenuncio de uma boa velejada até Rio Grande. As 422 milhas de Porto Belo a Rio Grande foram feitas em 56 horas, mar bem mexido e crescido, vento NE asa de pombo. Em toda a viagem de Porto belo a Rio Grande, vi só um pesqueiro perto de Rio Grande fundeado em meio as ondas e um navio. Até a entrada dos molhes, vento sempre 25 a 30 nós, de noite trinta e quatro às vezes chegava a quarenta, sempre grande risada, genoa guando em uso só 30%. A entrada dos molhes em Rio Grande foi com muita onda e correnteza de três nós, em frente ao terminal de container as rajadas de vento chegavam a 38 nós, alguém muito simpático ao conhecer o barco deu boas vindas via radio, pela pauleira que estava falei pouco e não consegui gravar seu nome, mas fiquei emocionado ouvindo meu nome sendo chamado depois de tanto tempo. Depois de vencer as 12 milhas que separa o Iate clube de Rio Grande a entrada da Barra, atraquei no clube recebendo as boas vindas do comandante Guto. Preparei o barco para deixar por uma semana em Rio Grande, pois o NE estava muito forte para subir a lagoa no contra vento. Peguei o ônibus e fui para Porto Alegre, chegaria às 19 horas. A Cleuza iria preparar uma recepção em família, Salmão no Forno como só ela sabe fazer. Na volta do supermercado ela passou em uma loja, quando retornou ao carro viu dois sujeitos em uma motocicleta em direção a ela, mesmo com o carro ligado ela abandonou para deixar que levassem, e ela permanecesse em segurança. Infelizmente eles não queriam o carro e sim a bolsa, que arrancaram com muita brutalidade derrubando- a no asfalto batendo com a cabeça. Para ter certeza que estava tudo bem, meu filho a levou para o Hospital. Felizmente depois de um acompanhamento medico e alguns exames, as vinte e três horas eles chegaram em casa. Na semana seguinte voltei a Rio Grande com a Cleuza e a Tayná, para tentar esquecer o ocorrido e podermos fazer juntos as, 157 milhas da Lagoa dos Patos até P. Alegre. Saímos sexta-feira às 6 da manhã, a travessia da lagoa apesar do vento Sul favorável era muito fraco, usanos muito o motor, à uma Hora da madrugada entramos no Rio Guaíba e fundeamos na praia do Sitio para passar a noite. Às 10 da manhã saímos rumo a Porto Alegre, no traves da ilha do junco, a Tina (Veleiro Forest) Comodoro do Iate clube de Itapuã me chamou no radio, ela o Tau Golin e a Jaqueline (Veleiro Baependi) estavam vindo nos dar boas vindas. Ao passar a Ilha Chico Manoel, vários barcos de amigos vieram me acompanhar com buzinassos uma bela recepção, quanto mais me aproximava mais barcos se juntavam a flotilha, na ponta grossa mais barcos e o Intrépido, nosso barco de apoio do Iate Clube Guaíba queimou uma Bateria de fogos, e mais barco se juntou a nós, na chegada no ICG, mais fogos e muitos amigos esperando para nos recepcionar, foi emocionante ver todos que torceram pelo sucesso da viagem, estavam lá me esperando. O Entre Pólos no seu píer de origem, eu com o peito apertado sentindo que a sonhada aventura se tornava realidade. 16.018 Milhas, dezesseis meses de muito mar, cada vez mais me sentindo parte deste oceano, ficando a certeza de um dia voltar. Agradeço o apoio de todos que de um jeito ou de outro, acompanharam esta viagem. Aos que sonham um dia fazer uma viagem como esta, Espero que este diário seja um sopro em suas velas, para lhes manter aproado aos seus sonhos.


A viagem durou 16 meses, foram 16.018 Milhas. Para mim a melhor parte navegada, foi à perna em solitário, Barcelona a Cartagena, Gibraltar a Rio Grande, Brasil. A mais gostosa, Caribe com a família. O mais festejado Bi campeonato na categoria Aço na Regata Recife Fernando de Noronha. Dia mais feliz, a partida e a chegada.
FIM

Um comentário: