terça-feira, 22 de dezembro de 2009

GIBRALTAR A CANÁRIAS (Em Solitário)

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A viagem de Gibraltar a Lisboa, de ônibus, para levar a Cleuza ao Aeroporto foi muito cansativa, principalmente à volta, já que eu estava só. Demorou mais tempo por ser domingo. Os ônibus param o tempo todo. Se tiver uma pessoa para ir a uma pequena cidade, ele entra e deixa a pessoa lá. São três conduções a pegar. Atravessa-se a fronteira de Gibraltar a pé para a cidade espanhola de La Linea, pega-se o ônibus para Algeciras, 45 minutos, caminha-se até um terminal dentro do porto e toma-se um ônibus para Sevilha, 2:30 horas. Lá se pega outro para Lisboa, mais sete horas. Tem banheiro nos ônibus, mas fica trancado e ninguém pode usar. É um horror (mas é primeiro mundo) .
Saí de Gibraltar às 10 Horas, rumo as Canárias, ilha de Graciosa, vela grande rizada na segunda forra, sem vento por nove milhas. Depois, vento na cara de 17nós e, às vezes, com três nós de corrente contra, como esperado na previsão. Eu sabia que não era o melhor vento para sair, mas se não saísse dia primeiro de setembro, a julgar pelas previsões, seria pior, ficando todo o tempo no contra-vento. Estava por vir uma baixa pressão para o dia seguinte naquela região, e só poderia sair (conforme as previsões) na outra semana. Passei pelo través do Farol de Tarifa já com o vento diminuindo, chegando mais tarde a zerar. No final da tarde o vento deu uma rondada e deu pra orçar, às vezes com motor, por ser fraco. De madrugada melhorou, vindo para través, de 17 a 20 nós. Muitos navios nos dois sentidos e aquela névoa já conhecida. Quando menos se espera aparece do nada uma embarcação miúda, talvez de pesca, mas não se sabe. Os sustos foram grandes, pelos relatos de pirataria e imigrantes que atravessam o estreito à noite. Tenho mais uma cueca para a campanha do agasalho, tamanho o cagaço. Apesar de tudo, dormi bem em turnos de 20 em 20 minutos. Às onze horas da manhã mudei o rumo em 30º (233º) e tirei o rizo. E vamos velejando a ¾ de popa, com vento entre 14 nós. Nas primeiras 24 horas fiz 156 milhas. Para almoçar fiz um carreteiro que durou para dois almoços. Dias com sol e temperaturas agradáveis. De noite um frio que há muito não sentia. Dia 3/9 à 01:30h da madrugada baixei mais 20 graus. Agora tinha Canárias pela proa no rumo 219º, vento de 8 nós, e o japa de plantão, ajudando. Fechando mais 24 horas, e mais 155 milhas navegadas. Agora está nublado, faz tempo que não via o céu fechado. À tarde abriu o tempo, o vento melhorou e vamos nós em asa de pombo, com tudo em cima. Vento N, de 14 nós. À noite fechou o tempo e o vento apertou. Às 8 da noite, antes de escurecer, rizei a grande na segunda forra só pra garantir e não ter que ir à noite na proa. Mesmo com vento, de noite tenho que ligar o motor a cada hora, pois as baterias não estão segurando a carga, e com tudo ligado não dá. De dia não há problema, pois os painéis solares dão conta. Eu queria chegar até o Brasil e só então trocar as baterias, mas não vai ser possível continuar assim. Nas Canárias vou substituir. O vento parou. A noite está escura e encoberta. Muitos navios, mas ficou só nisso. Amanheceu com sol. Nessas 24 horas fiz 146 milhas. Ontem fiz uma carne no forno com bacon, arroz e salada. Hoje fiz um carreteiro com a sobra da carne e do arroz, e uma nova salada. Toda esta navegada está acontecendo conforme a previsão. Recebi as previsões, via Navtex, das áreas mais ao norte, e realmente o bicho ta pegando na latitude de 35º. O vento lá é de força 7 a 8, e nas Canárias seria de 3 a 4 segundo a previsão Navtex, mas não passou de 2 a 3, quando não zerava.Última noite pra chegar à Ilha Graciosa. Estou meio tenso com a chegada. Começo a me preocupar com redes, barcos fundeados, enfim tudo de ruim em uma chegada a um porto estranho. Consegui fazer 168 milhas nas últimas 24 horas até Graciosa, sempre com vento fraco, às vezes ajudando com motor. De noite, sempre motor. Cheguei a Graciosa às 10 horas da manhã (Abaixo Vídeo)
e chamei amarina pelo rádio. Ninguém. Fui até o posto de combustível e ninguém para ajudar a atracar. A maré estava baixa e encostei atrás da barca de travessia para as outras ilhas. Tive que pedir para eles pegarem meus cabos, explicando que estava só. Com pouca força de vontade, me ajudaram a atracar. Em seguida saíram para o trabalho. E eu fiquei sem poder sair, pois o paredão com a maré baixa era muito alto. Esperei até as 11 horas, e ninguém à vista. Então passaram algumas pessoas e perguntei a que horas abriria o posto. Às 11, reponderam.- Mas já são 11.- No señor, todavia son las 10. Nem tinha me dado conta da diferença de fuso. Baixei uma hora. Às 11:15h chegou a moça da gasolineira. Abasteci um pouco de diesel, bati umas fotos e resolvi continuar para Gran Canária, a mais 120 milhas. Graciosa é um lugar lindo, diferente. Todas as casas são brancas. É tudo igual. Vulcões extintos, ruas sem calçamento, tudo simples, com tanta simplicidade que atrai qualquer amante da natureza. Um lugar inigualável. Mas pra curtir este paraíso só, pra mim não dava. Quem sabe um dia eu volto. Aleixo Belov saiu pra dar uma volta ao mundo. Vai dar a quarta. Que beleza. Quem sabe um dia eu possa repetir esta viagem! Até talvez comemorando meus 60 anos. Esta foi para os 50, eh eh. Assim ganho mais dois dias pra chegar ao Brasil. Com motor e pouco vento, segui viagem. À tarde começou a melhorar. Vento de 10 nós, ¾ de popa, maravilha, Nesta velocidade chego ao clarear do dia. Pena que de noite tive que manter o motor ligado para ter energia. À noite não dormi muito. Apenas três turnos de 20 minutos, pois o movimento de navios era grande, também tive medo de acordar em cima dos molhes do porto. O tripulante número Dois, o Zoinho (radar), amanheceu rouco de tanto apitar ao ver os navios. O número Um, Toni Tornado (o piloto automático) timoneava incansavelmente, com uma sutileza que parecia estar dirigindo na BR-3. Freqüentemente recebia no Furuno notícias do tempo e outras, como o aviso da regata Canárias-Madeira. Cheguei às 8 horas no trapiche de espera da Marina de Las Palmas em Gran Canária, uma enorme cidade, a 125 milhas de Graciosa. No total, 750 milhas de Gibraltar, em 115 horas. O atendimento na marina é de primeira. O preço é a metade das outras. A marina é enorme, cheia de bares e restaurantes e de lojas náutica. Tem de tudo, e com melhores preços do que no continente europeu. Fui a um grande Carrefour, dentro de um enorme centro comercial. Fiz algumas compras para a viagem, mas não comprei cerveja,
pois ainda tenho duas caixas de Skol que truxe do Brasil. Estão me fazendo companhia, e acho que não vou bebê-las, pois aí perco a companhia. A carne aqui é a metade do preço que em Benalmádena. O diesel fica 10 centavos menos que em Ceuta, e 60 centavos de euro a menos que em Barcelona. Segunda feira é feriado aqui, para meu desespero. Cheguei sábado e ainda tenho um feriado na segunda. Perguntei para o funcionário da marina por que era feriado.- Es dia de Madona.- Pô, até pra cantora americana vocês fazem feriado?- No señor, es la padroera de la ciudad. O cara achou que eu estava falando sério. Saí atrás das baterias e pesquisei preço, mas só vai dar pra fechar na terça-feira. À noite fui a um bar na marina, único lugar com internet, mas muito barulhento. Desisti do skype, e fui falar com a patroa no orelhão. Fui dormir aquilo que seria minha primeira noite de sono direto, inteirinho pra mim, depois de cinco dias. Apaguei, apesar da choradeira das crianças do barco francês em frente, só acordando de manhã pelos mesmos choros. Fui a faina, da troca de filtros do motor, revisões de tudo e faxina. Ao meio dia esquento a maravilhosa massa com carne que sobrou de ontem. Estava sentado no cockpit escrevendo este diário quando veio a francesa do barco vizinho falar comigo. Disse que foram dormir preocupados comigo, pois dormi com a gaiuta de entrada do barco aberta. Disseram-me pra trancar sempre o barco, pois aqui na marina tem roubo a barcos estrangeiros. Me disse que na semana passada entraram no barco dos amigos deles e levaram os dois computadores, e os eletrônicos do barco com maior valor. Valeu a dica, mas acabou o meu sossego. Segunda feira, feriado, saí de bicicleta pra conhecer a cidade, grande e bonita, limpa e organizada. Sei quando a cidade é grande pela dor nas pernas de tanto pedalar. Bati fotos, voltei pra marina, dei uma geral no barco, deixei o convés brilhando. Amanhã vou comprar as baterias e deixar tudo pronto para dia 10 rumar a Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo.
É isso. Até Cabo Verde. E depois? Ah depois!...Depois é proa pra FERNANDO DE NORONHA, meu paraíso particular. Tchau.
Gigante
Veleiro Entre Pólos

Pra descontrair:

Cheguei a Graciosa depois de aportar no cais da gasolineira, e quase houve uma tragédia. Tão temido por alguns tripulantes, o iceberg do Atlântico Norte estava bem na minha popa, em rota de colisão. Quando me preparo para abandonar o barco, ele pára quase se encostando à popa. Ufa! Acho que só veio abastecer.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

BARCELONA A GIBRALTAR (Retorno)

Na quarta feira 10/07, peguei o cilindro hidráulico que chegou bem cedo, voltei para o barco e comecei a montar o piloto, para o mais rápido ter este problema resolvido, ainda teria muito que caminhar por Barcelona, pois dia 15/07 estava se aproximando e eu começaria meu retorno ao Brasil. Deu certo trabalho a montagem do cilindro na bomba, pois este cilindro não era original, mas ficou bom. Quando saí de Ibiza rumo a Maiorca tive um problema no cilindro hidráulico do piloto automático. Em Maiorca tentamos consertar, mas não deu. Piorou. O negócio foi trocar o cilindro em Barcelona, mas lá só consegui um de procedência francesa, diferente do meu canadense, de renome e muito conhecido no mercado náutico mundial. Agora, como tenho um cilindro não confiável, que considero descartável, estou fazendo as primeiras pernas bem curtas para ir testando e adaptando algum item que não veio neste cilindro, pois até Gibraltar tenho que pegar confiança neste cara. Vai ser meu único tripulante a bordo, e não pretendo que isto transforme a minha viagem em um pesadelo ou desconforto. 12/07/2008, hoje completo 51 anos, é um aniversario diferente, em solitário. Fiz um belo almoço para comemorar, carne assada arroz batata salada, vinho do Porto.
Barcelona, 15/07/2008
Saí do Rial Club Maritimo de Barcelona na abertura da ponte às 9 horas, na mais alta latitude que o Entre Pólos chegou (Lat 041º22,536’N Long 002º10,863’E). Atraquei no píer da Marina Port Well, para abastecer de diesel. Saí da proteção dos molhes rumando para Sitges, a 25 milhas, envolvido num clima de euforia e ansiedade, por começar meu retorno e por estar certo que daqui pra diante será só eu. Cheguei a Sitges às 13:30 horas, na Marina Aiguadolce, Port de Sitges. Bem recebido pelo marinheiro local que me auxiliou para atracar, papéis prontos, saí para conhecer a cidade. É muito bonito o lugar. Ao lado da marina existe uma pequena praia que passei perto. Ao olhar descobri que era uma praia de nudismo. Só estranhei o fato de ela ser no centro e do lado do clube. As pessoas passam bem perto. No centro descobri que Sitges está para a Europa como São Francisco está para os Estados Unidos, Capital Gay.Tenho que ver se o Ante Jaibe que encomendei em Barcelona chegou, e voltar de trem para apanhá-las. Vou sair daqui antes que alguém me estranhe. Não tenho preconceito, mas cada um na sua.
As peças chegaram e deu tudo certo. Às treze horas saí rumo a Tarragona, mais trinta milhas. Port Desportivo. Tarragona é um lugar maravilhoso, cheio de histórias, já pertenceu aos romanos. Em todos os cantos existem ruínas, ruas estreitas com casarios da época, uma maravilha. Muitos turistas, e faz sentido diante de tantas maravilhas concentradas em uma só cidade. Coisa que só vimos no cinema. Aliás, aqui foi feito o filme Gladiadores. De Tarragona a Alicante foram 205 milhas, das 6:30 do dia 18 até as 14:00 horas do dia 19. Só pra ir acostumando. Lua 100% cheia. Na saída tinha um vento de 16 a 20 nós, conforme a previsão, de través. À tarde o vento caiu e na noite foi pra cara, contrariando as previsões. Um pouco de motor não faz mal a ninguém, então segue o baile. Comecei meu turno de cochilos às 10 horas, com o relógio de cozinha pra turnos de 20 minutos, e radar a seis milhas com alarme armado. Mantendo uma média de 30 milhas da costa, a única preocupação era o través de Valença, por ser uma cidade grande e com bastante movimento portuário. Logo ao me aproximar, o alarme do radar avisou pra não dormir mais. O radar estava cheio de brotoejas, navios chegando e aguardando a entrada. Amanheceu, tomei um banho no cockpit, pra ficar bem acordado, tomei um belo café, e ao meio dia a pizzaria Entre Pólos entrou em funcionamento. Assim foi minha primeira noite em solitário nesta viagem de retorno, mas com aquela lua na proa e o visual do sol nascendo na popa, quase em sincronismo, não poderia me sentir só. Nesta madrugada cruzei o Meridiano de Greenwich, zero grau de longitude, passando de Leste para Oeste. Comecei a me sentir mais em casa. De Alicante partirá a Volvo Ocean Race em outubro próximo. É uma grande cidade da Espanha. A marina é enorme. No pier que fiquei tinha que caminhar muito para sair da marina. Vi um barco (ERICSOM) que deve ser o barco que será comandado por Torben Grael. Fotografei pedi informação, mas ninguém confirmou.
Ao perguntar pra moça que me atendeu no escritório se o Wi-Fi estava incluído no preço da marina, ela encheu o peito, parecendo que tinha meio litro de silicone, empinou o nariz, e disse (o señor está en Alicannnnnnte). Pensei, grande coisa, sou de Blumenau! Cheguei sábado e saí segunda-feira, dia 21/07 para Cartagena distante 67 milhas, uma bela navegada de través, com ventos de 13 a 15 nós. Cartagena foi o porto que elegi para esperar a Cleuza chegar, pela cidade. É grande, tem dois enormes supermercados Carrefour, e consegui um preço especial na marina. Fizeram preço de mensalista e me deram internet grátis. Quem não chora paga mais caro! Os doze dias que passei na Yat Port Cartagena foram de muita faina, preparando o barco para o retorno no Atlântico. Subi no mastro, revisei parafuso por parafuso, todos os terminais de inox, os estais, adriça e antena VHF. Mesmo assim fotografei os terminais, o tope do mastro e os terminais dos enroladores, para poder estudar melhor com o zoom da câmera ao descer. Mergulhei para revisar o fundo, faxinei tudo, deixei a navegação do Atlântico até o Brasil pronto na carta de papel e com os pontos já inseridos no GPS. Esta viagem já completou 10.000 milhas náuticas. Comprei uma bicicleta dobrável no Carrefour em promoção, por 119 euros, e comecei a conhecer mais a cidade. Ficou fácil para procurar o que viesse a precisar. No dia 1º de agosto fui de trem para Barcelona. A Cleuza chega dia 2 às 17 horas. Como só tem um trem por dia e um ônibus, tive que ir um dia antes. A viagem de trem é ótima, de primeira classe, e dura quase oito horas. De ônibus são dez horas. O vôo da Cleuza chegou no horário, mas sem as malas, que só chegaram dois dias depois. Mostrei toda Barcelona pra ela, fomos à praia em Barcelona, voltei com a Cleuza a Sitges de trem, para ela também conhecer aquela capital já mencionada. No dia 6 alugamos um carro com GPS, e saímos rumo à França pelo litoral espanhol e francês, até Nice. Conhecemos várias praias, marinas, rios. Quando marcamos o rumo no GPS ele nos perguntava se era para desviar de pedágios e obstáculos. Este detalhe nos ajudou a conhecer muitos lugarejos que jamais iríamos passar. Muitos deles consideramos imperdíveis, além do que economizamos em pedágios. De Nice fomos direto a Paris, 930 quilômetros. Estava começando a lua de mel que no passado não tivemos oportunidade de fazer. Fomos a todos aqueles lugares turísticos conhecidos de Paris. Muito legal. Um dia voltaremos. De Paris fomos a La Rochelle, local de grande estrutura náutica na França, com muitas marinas, estaleiros e oficinas. A cidade é antiga e muito bonita. Vale à pena conhecer. Turista e mais turista nas ruas. Seguimos para Madri, onde só rodamos de carro para conhecer e seguimos para nossa casa, ou barco. Em Cartagena aproveitamos para abastecer o barco no supermercado, passeios, praia, compramos outra bicicleta para andarmos em dupla, e realizar nosso sonho de criança, de ter uma Monareta, eh eh. Nossa estada em Cartagena, chegou ao fim. No dia 15/08 saímos às 8 horas rumo a Garrucha, a 50 milhas de distância. Ao chegarmos não havia vaga na Marina, pois havia uma regata e era feriado para nos atrapalhar. No final ficou melhor. Fundeamos dentro do porto, perto dos molhes, e ainda consegui um sinal de internet Wi-Fi free. Desci o bote e fomos conhecer a cidade. Muita gente na praia e restaurantes lotados, fazendo jus ao feriadão. É isso aí! Aqui, como também em Portugal, se faz feriadão, acho que até mais que no Brasil. Qualquer coisa é motivo para feriado, festa e foguetório. Às vezes era acordado de madrugada com queima de fogos, a qualquer dia da semana. Pra festa também não tem hora. 16/8 Saímos de Garrucha rumo a Almeria, a motor. Depois do meio-dia entrou vento, 10 nós na cara. Ao passar pelo Cabo da Gata deu uma orça folgada e o vento foi aumentando. Velejada espetacular, sem onda. Um Guaibão na minha proa era tudo que eu estava precisando. Relembrar dos domingos de velejada no Guaíba. Chegamos ao Club de Mar de Almeria às 17 horas, com 20 nós de vento, para atracar em um minúsculo box, em um apertado corredor, e aproando o vento vinha de traves. Se não fosse a eficiência dos dois marinheiros a nos auxiliar, teria desistido e seguido para outra marina. Porque com aquele vento, e a posição da vaga na marina, só eu e a minha gata não conseguiríamos. No Domingo passeamos pela orla marítima de Almeria. Conhecemos os passeios e praças da cidade. Segunda feira fomos à imigração tentar uma extensão do meu visto que dia 21 venceria e ficaria ilegal na Europa. Eu já havia tentado em Barcelona, mas me negaram, pois nem eles sabem como funciona. Também em Cartagena, fomos a dois setores de imigração, na cidade e no Porto, e agora em Almeria. Ficamos sentados com uma senha a ser chamada, em uma sala enorme com muita gente, de todos os lugares que se possa imaginar. O "calor humano" tava difícil de agüentar. Deve ser crise de desodorante, pois água aqui na Espanha tem muita. Depois de quase três horas esperando, chegou nossa vez. Em dois minutos a resposta, não é aqui, não sei onde, sempre com muita arrogância e antipatia, eles não falam. Gritam. Meu visto de entrada foi dado em Faial, dia 21/05/08. Todos os oficiais de imigração a quem eu mostrava o passaporte confundiam o mês 5 com o mês 6, pois o carimbo está meio borrado. E realmente a Cleuza olhou e disse que era mais 6 do que 5, e que eu não haveria de me preocupar. Se todos estão confundindo, achei que ganhei mais um mês neste borrão. De qualquer maneira, já havia conversado via email com Marçal Ceccon, que passou por uma situação semelhante, e me deu boas dicas. Mesmo que não tivesse o borrão do carimbo, iria arriscar indo às Canárias, com o visto de três meses vencido. Saímos da imigração, e fomos direto ao Carrefour para abastecer o barco para o dia seguinte seguirmos para Motril, mais 57 milhas. Não havia vagas na marina. Sempre com uma resposta antipática e grossa dos atendentes das marinas. Preciso só um pernoite. Se queres, fundeia aí fora, nos molhes do porto! Pra mim ta de bom tamanho e não preciso pagar a marina. E quando na chegada o atendimento é antipático, não tenho interesse em conhecer o lugar. Para mim, a primeira impressão é a que fica. 20/08 Saímos às 8:30 rumo a Benalmádena, 50 milhas mais perto da porta do Atlântico. Na chegada tive que conversar muito para conseguir ficar, pois havia um torneio internacional de pesca. Muitas lanchas estavam por vir, a marina estava lotada. Com muita conversa, conseguimos um lugar. Ficaria frustrado se não conseguisse, pois quando passei por aqui entrando no Mediterrâneo, seria um belo lugar para trazer a Cleuza e ficar uns dias. Conseguimos quatro dias na marina, apesar do lugar ser meio ruim, pois fica na entrada, onde chegam os barcos e descarregam os peixes do torneio. O barco chacoalha o tempo todo, mas não dá pra reclamar, pois vale o sacrifício. Benalmádena é um balneário turístico com muitas praias, algumas pequenas com águas transparentes e areias negras, muito movimentadas. Sobre os calçadões enormes na orla marítima, só as dores musculares podem dizer o tamanho, pois temos pedalado e caminhado muito. De manhã saíamos de bicicleta, à tarde de bote, à noite caminhávamos no condomínio dentro da marina que tem várias lojas. É um tipo estranho de shopping Center, e com muitos bares e restaurantes. Foi muito divertido estar aqui. Divertimos-nos a valer. Estamos cada vez mais em forma. Não sou sedentário, mas quando estou no trabalho relaxo e me perco no peso. Agora estou tentando compensar, me divertindo, e está dando certo, pois estou dez quilos mais magro. Desde que parei de fumar, em 3/9/2000, que não baixava de peso, e há muito não me sentia tão bem. Sempre fui uma pessoa feliz, de bem com todos, família e amigos. Mas fazendo o que gosto navegar, transbordo de felicidade. 25/08. Às oito horas saímos de Benalmádena rumo a Ceuta, na África, a 59 milhas, no rumo 230º. Não tinha vento, e cinqüenta por cento foi com nevoeiro, às vezes com visibilidade de menos de meia milha. Chegamos às 17 horas. A Cleuza caprichou no almojanta: entrecot com batatas no forno. Senti-me em casa, no Brasil. Em seguida saímos a passear, e preparar os planos para o dia seguinte. Às nove horas da manhã saímos com nossas bicicletas para desbravar a cidade. Fizemos a volta em toda Ceuta, indo até a fronteira com Marrocos. Pedalamos muito e caminhamos morro acima. O visual é incrível. Tirei muitas fotos do alto, com o Mediterrâneo ao fundo, mas também não me atrevi a tirar fotos de certas paisagens, pois há lugares que só os olhos descrevem o belo visual. Depois do almoço fomos de bote ao outro lado da marina. Atravessa-se de um lado a outro por um canal estreito, por entre castelos antigos, indo até a praia do lado oposto. Ficamos maravilhados por este passeio, pois de terra não se vê a beleza do lugar e suas águas transparentes. Fiquei sabendo da existência de Ceuta pelo site do veleiro Luiza, pois nunca iria imaginar que haveria uma cidade espanhola encravada no continente africano. Desistimos de atravessar para o Marrocos, pois não nos aconselharam. Disseram que às vezes demora até três horas para conseguir fazer a imigração. Dia 27/08 abastecemos o barco de diesel em Ceuta já para a travessia, pois aqui tem menor preço. O diesel chega a ser quase cinqüenta centavos de euro mais barato que em Barcelona. É uma economia considerável, levando em conta que sempre ando prevenido e a capacidade de combustível do Entre Pólos não é pequena. Saímos meio-dia rumo a Gibraltar, a 15 milhas, com vento de través a 20 nós em média, só de genoa. É a primeira vez que vejo o Mediterrâneo com grandes ondas e de través. Fizemos uma boa chegada na marina, mesmo
com vento. A Cleuza estava na proa com os cabos, e em sincronia comigo, encostei e ela saltou no trapiche amarrando a proa. Em seguida amarrei a popa no trapiche de espera da marina de Gibraltar. Atravessamos a fronteira para a cidade espanhola La Linea, fomos à estação de autobus (rodoviária) para comprar passagens a Lisboa. Eu iria com a Cleuza, pois ela vai embarcar amanhã, 31/08, para o Brasil. Ficamos sabendo que teríamos que comprar passagem em Algeciras, a 20 quilômetros. No dia seguinte fomos a Algeciras, tentei alugar um carro para ir a Lisboa, mas final de semana já não havia. De avião, teria que ir a Madri ou à Inglaterra. Ficamos com o ônibus mesmo. Tudo bem estamos em férias. À tarde, subimos o morro de Gibraltar de teleférico, outro lugar encantador com um magnífico visual. Do alto se vê todo Gibraltar, se avista dois continentes e três países. Também tem os macacos. São muitos, por todo o canto. Fazem a alegria dos turistas. Têm que ter cuidado com as bolsas porque eles pegam e saem correndo para ver se tem alimento. É muito divertido assistir a estas cenas. Sexta-feira, faina a bordo. Deixamos tudo pronto pro meu retorno de Lisboa, e se der boa previsão, saio nessa segunda-feira, dia 1º de setembro, rumo as Canárias. Com tanto tempo longe de meus filhos, não dá pra esconder a saudade, também de minha mãe e de minha irmã, que há muito não vejo. A saudade se mistura à ansiedade de entrar pela porta do Atlântico, por a proa rumo ao Brasil, contar em decrescente as milhas que faltam para chegar em casa. Aliás, desde que cheguei a Gibraltar, não importa se estou navegando ou na marina à espera de previsão, cada dia que passa me sinto mais perto de casa. Tenho saudades de tudo e de todos. Até da sogra... Também estou um pouco deprimido com a volta da Cleuza ao Brasil. À dona do meu coração, com quem muito curti e fomos felizes zanzando por aqui, agradeço pela companhia, mais uma vez tão agradável. Apesar de ficar só, e de voltar só, não me sentirei sozinho, pois quem tem uma família maravilhosa, sempre se sentirá acompanhado. Aos meus amigos que estão lendo este diário e acompanhando esta viagem, agradeço a força e apoio que estão me dando. No momento é só. Agora tenho que ir, pois tem um oceano me esperando.
Até as Canárias.
Gigante
Veleiro Entre Pólos