sábado, 26 de setembro de 2009

DOS AÇORES AO CONTINENTE EUROPEU (LISBOA) Travessia do Atlântico Norte (segunda parte)

Saímos dia 1º de junho às 11 horas da marina de Angra do Heroísmo, com uma boa previsão do site Grib. Como estávamos em dois eu e Tau Golin, fazíamos turnos de três em três horas. Como o fuso tinha três horas de diferença para o Brasil, todo o dia me comunicava com a Cleuza via rádio, às 20 horas no Brasil e 23 horas nos Açores. Após nossa conversa, começava meu primeiro turno, das 23h30min às 02h30min. Passamos com a ilha no través apreciando a beleza daquele lugar, distante e difícil de chegar. Ficava imaginando se um dia vou ter a oportunidade de voltar. Será que estou indo cedo demais deste paraíso? Sim foi pouco tempo nos Açores!
Velejando com todas as velas, grande e genoa, conseguimos velejar quase 24 horas em nosso rumo leste, e de novo o vento foi diminuindo. Caiu pra 10 nós, depois baixou de oito, e o japonês volta a ajudar. Não estou em regata e baixou de cinco nós. O japa tem que se pagar. Tenho muito a ver no continente, e em proporção, pouco tempo. Com exceção da Argentina Uruguai, e Paraguai, e recentemente os Estados Unidos, é a primeira vez que viajo para fora do Brasil. Trabalhei muito. Quando tinha condições financeiras para ir, não tinha tempo, pois a melhor época para viajar sempre era tempo de safra na minha empresa. Tudo bem, Agora tenho tempo, e estou indo do jeito que eu sempre quis, e da maneira mais gostosa, velejando. Como diz o Denis do programa Bahia Náutica, com parte do mundo em mãos, e ainda levando a casa nas costas. No dia seguinte, à tarde, o céu escureceu na popa. Parecia que corríamos do mau tempo. Na popa, tudo escuro. Nuvens alucinadas cruzavam o céu. Relâmpagos e trovões. Até parecia que São Pedro estava jogando boliche. Na proa, tudo azul com sol deixando a certeza que saímos na hora certa, pois o tempo desabou nos Açores, conforme a previsão, isso se repetiu por três dias. O Barômetro não baixava de 1029mb, me dando a tranqüilidade de navegar. O vento continuava fraco e, às vezes, picos de 10 nós. No dia 4 tentamos baixar um fax meteorológico, mas o sinal do SSB estava fraco e chegava muito borrado. Não me preocupei, pois tinha salvado as previsões do Grib por sete dias. Com a linha na água pegamos um atum de aproximadamente 4 quilos. Era muito peixe para duas pessoas. Peguei o bicheiro (haste para levantar o peixe da água) que estava no bote, cuidando para não machucar, e o suspendi pelas guelras. Tirei o anzol e ele saiu nadando. Coloquei o bicheiro pendurado na targa. Isso foi um erro lamentável, que mais adiante viria a me causar um problema difícil de decifrar. O mar parece um deserto. Nenhum barco, navio nada. Até agora sempre saiu almoço, está bem tranqüilo. À tarde batemos papos e aproveito para repassar o livro do Marçal (Um Giro no Atlântico), também o livro do Edson de Deus (Passageiros do Vento). Nestes dois livros consegui muitas informações para a minha viagem. O livro Passageiros do Vento já o tenho há muitos anos. Li diversas vezes, inclusive mais uma na viagem. O livro do Marçal Ceccom foi lançado em 2007. Comprei com Marçal. Na dedicatória escreveu que era o primeiro a ser vendido da coleção. Estou captando informação, por a minha viagem ser parecida com a dele. Estou usando como guia. Em Portugal é muito fácil navegar. Na saída da Marina de Angra, o funcionário nos deu um livro guia das marinas de Portugal. Com este guia você sabe aonde vai, inclusive escolhe os melhores e mais completos portos. Na quarta-feira entrou o que seria o vento esperado, porém ainda fraco NW a W, 10 a 14 nós. Subimos o balão e com ele também o astral, estávamos velejando em grande estilo, com a mais bela armação de vela que possa ter um veleiro, colorido e alegre. Mantivemos assim desde manhã ate às 4 da tarde, quando o vento começou a apertar, chegando a 20 nós e ameaçando aumentar. Mas ficou só na ameaça, e depois caiu para 15 nós. Armamos em asa de pombo com a trinqueta no outro bordo. Assim, com três velas, conseguimos aproveitar melhor o vento. À tarde, golfinhos vieram brincar e alegrar nossa viagem. À noite começou a esfriar mais. Parece que quanto mais próximo do continente, mais esfriava, e começou o trânsito de navios de madrugada.
A noite foi chuvosa e muito fria. Vento toda a noite de ¾ de popa. Amanheceu e a chuva parou, mas o vento estava aumentando cada vez mais, e o frio também. À noite o vento ultrapassava os vinte nós, e agora era de través, às vezes orça folgada, com enormes ondas entre 5 a 6 metros, também de través. Faziam o barco adernar com vários estrondos no costado. No turno do Tau Golin, + ou - às três da madrugada, ele me chamou, pois o piloto automático estava louco e não obedecia o track. A proa procurava o norte. Botei no rumo correto e acionei a função track de novo, mas não adiantava. Ele insistia em procurar o norte. Deixei então no automático sem o track, tendo que a cada hora corrigir a deriva, que era maior que o normal. Eu achava que era por causa do vento e das ondas que forçavam o rumo. Estávamos com quase trinta nós de vento, com a grande no segundo rizo e a genoa 30% enrolada. O vento apertava, substituímos a genoa pela trinqueta, o barco balançava bastante, e a velocidade continuava boa. O frio era insuportável. Nosso rumo é RM087 e o vento segue de través. Dois dias e duas noites nestas condições. Só fizemos lanche e frutas, pois estava impossível cozinhar com este balanço. Também ficamos os dois no cockpit, entre uma cochilada e outra. O movimento de navios ia aumentando conforme nos aproximávamos do continente. Um navio em rumo cruzado de passagem manobrou, passando pela nossa popa. Isso é raro de ver, eles nunca desviam, já estava me preparando para fazer a manobra, mas não foi preciso. Nossa velocidade não poderia ser melhor, de seis a oito nós. Apesar do balanço lateral, o barco surfava aumentando ainda mais a velocidade. Ainda de madrugada nos aproximamos das "hidrovias". Havia obtido muitas recomendações sobre este trecho, pois o movimento de navios é enorme. É uma estrada imaginária para o trânsito de navios, que acompanham paralelamente a costa européia. Primeiro os encontramos no sentido norte sul. Passamos por cinco navios nesta avenida. Depois tem um trecho tipo "passarela" que divide as duas pistas, e aí vem à pista de sul a norte. Encontramos mais quatro navios. Foi fácil passar pelas vias. Acho que tivemos sorte neste dia, pois esperava mais movimento, segundo os relatos e recomendações. Melhor assim, pois estávamos cansados, e não precisamos desviar de nenhum navio. O outro japonês de plantão, Zoinho (radar), durante toda viagem não tirou o olhar de 360graus em torno do barco. Estávamos mais próximos ao continente. Estávamos chegando a Cascais, nosso primeiro porto no continente. Começa o movimento de rede, muita rede, Me fez lembrar o Guaíba e da Lagoa. Que saudades! Não das redes. Todas as redes são de fundo, então é só cuidar pra não atropelar as bóias. Velejamos até próximo à costa, quando enfim começou a parar o vento e a esquentar, começamos a tirar inúmeros casacos, abrigos e meias. Ao chegarmos a Cascais, já estávamos de calção e sem camisa. Eram 11 horas, com quatro de fuso para o Brasil. Foram 858 milhas, de Angra do Heroísmo a Cascais, em seis dias. Em Cascais, passeamos, conhecemos toda a cidade e praias, fizemos amizade com uns brasileiros que residem e trabalham lá. Eles nos levaram para conhecer o cabo Espichel, um maravilhoso passeio (foto). Em Cascais novamente mergulhei para revisar o casco. Apesar do calor, água gelada. Encontrei dois enormes arranhões logo abaixo da linha d’água. Cheguei a pensar que poderia ser este o motivo da mudança de rumo do piloto. Tau Golin achou que foi uma bóia de pesca à deriva que passamos, mas era muito pequena para aquele tipo de arranhão. E naquelas noites anteriores foram tantos estrondos no costado, que não dava pra decifrar o que era onda ou outro objeto. Lavamos o barco e organizamos tudo. Tentei calibrar a CPU do piloto, mas na ida a Lisboa descobri que não era configuração. Olhei para a bússola do piloto, que fica na targa, e vi que o bicheiro estava ao lado dela, com a ponta enferrujada. Lembrei que o usei naquele peixe que devolvemos ao mar. No peixe anterior não precisou, pois Levantei com a linha até o cockpit. O bicheiro era novo, eu o havia comprado no Caribe. E como enferrujou, descobri que a ponteira é de ferro e deve ter dado interferência magnética na bússola do piloto, pois foi só retirar o bicheiro da targa e digitar a configuração anterior, que tudo voltou a funcionar perfeitamente. Fizemos as 20 milhas de Cascais a Lisboa, fotografando e filmando monumentos históricos e conhecidos, como a Torre de Belém, o Monumento aos Descobridores, etc. Passamos com a maré vazando, a três nós de corrente contra, e um grande número de pescadores com suas redes. Quando chegamos à doca de Alcântara, nosso porto em Lisboa, não havia ninguém para ajudar a atracar. Aí tem que ser só na individualidade, pois até mesmo os velejadores locais, vendo a dificuldade de atracar com vento, passavam e nem olhavam. Que saudades do meu povo! Felizmente deu tudo certo. No outro dia vi um Português com cinco tripulantes arranhar seu barco. Assisti do cockpit. Achava que com cinco eles conseguiriam. Depois de toda a faina saímos a conhecer Lisboa. No outro dia o Tau Golin ficou no barco, pois tinha compromisso com Seu Francisco, professor e historiador em Lisboa. Eu fui de "Elétrico" (bonde da Carris) a uma loja náutica para comprar a carta do Mediterrâneo. No elétrico uma dupla tentou por a mão no meu bolso. Por eu estar atento, não tiveram êxito. Passeamos por Lisboa, conhecemos velhos e antigos lugares. Lembrei da Bahia, pois o cheiro de urina nos cantos não é só coisa de lá, e de algumas outras cidades do Brasil. Também o xixi nos cantos é globalizado. Uma pena, pois é patrimônio da humanidade urinado. Dia 13/6 Seu Francisco veio nos buscar a noite para jantar, e após a janta fomos provar os tradicionais pastel de Belém. Dia 15/6, à tarde chegou o momento do Tau Golin desembarcar. Seu Francisco veio buscar o Tau Golin para levá-lo ao aeroporto, terminando assim a participação dele na travessia do Atlântico Norte.
Agradeço ao tripulante Tau Golin que me acompanhou na Travessia do Atlântico, parte desta minha viagem que começou em 07/08/2007, e que além de ser um sonho que estou realizando, é meu presente de 50 anos.