quarta-feira, 26 de agosto de 2009

TRAVESSIA DO ATLÂNTICO NORTE (De Sint.Maarten Caribe, a Faial e Ilha Terceira Açores)


O Entre Pólos estava atracado em St. Maarten, no Caribe, desde fevereiro passado. Era hora de continuar a viagem, fazer a travessia do Atlântico Norte.
A despedida no aeroporto de Porto Alegre em 25/04/2008 foi emocionante, principalmente para mim, recebi de minha filha uma cartinha feita de improviso em um guardanapo, com desenhos que li no avião. Só irei ver meus filhos novamente em outubro ou novembro. Vai ser duro, mas é por uma justa causa.
No aeroporto estavam Cleuza, Junior, Tayná, Dany, o meu amigo Flavio Fiala, que chegou quase na hora do embarque para se despedir.
Na ilha de Sint Maarten (escrevem assim os holandeses, e Saint Martin os franceses) a faina foi grande. Muita coisa a ser feita. Preparar o barco para uma travessia é uma tarefa cansativa, e não dá para deixar nada a fazer. E eu deixei. Queria subir no mastro para revisar.
Na condição de viagem sob pressão da previsão do tempo que vinha estudando há algum tempo, a hora era agora, ou no máximo até o dia 6/5, pois a próxima janela iria demorar talvez uma semana ou mais. Um dos tripulantes, João Pedro Wolf, havia comprado passagem de Lisboa para retornar ao Brasil dia 26/5, se não saísse naquela previsão, ou ele perderia o retorno, ou voltava de Sint Maarten. Por mim não teria problema. Tinha tempo para ir na próxima janela de tempo.
Perdi muito tempo limpando o casco (três tardes). Existe aqui uma craca diferente, mole e comprida incrustada no casco do Entre Pólos. Já estava + ou - com uns 15 centímetros de comprimento, tem uns bichinhos, parecem umas minúsculas formigas, que dão uma coceira no corpo tem que cuidar, pois entram nas orelhas dando irritação e atrasando o trabalho...
Para ganhar tempo, busquei diesel de Bote com camburão, pois a craca na hélice era grande, sem terminar a limpeza do casco seria mais demorado. Tinha muita sujeira no fundo. E eu precisava fazer da maneira mais rápida possível.
A retranca havia trincado no suporte do burro, ainda em Porto Alegre, fiz uma luva de alumínio para garantir o conserto, e só ter o trabalho de instalar em Sint Maarten, não queria correr o risco de quebrar na travessia. A instalação foi simples. Colei a luva com Sikaflex 221, prensado com dois sargentos, e no dia seguinte furei, fiz rosca na retranca, coloquei 12 parafusos ficou perfeito. Aproveitei e fiz nesta luva um ponto a mais, pois queria colocar um anti-jaibe que existe na Europa. Custei para achar, consegui em Barcelona. Encontrei os amigos Marcelo Aaron e esposa Alexandra, o casal do veleiro Beetowen, Marcelo e Maura, e fiz novos amigos Marcelo e Mariza, ele brasileiro e ela Belga, Dadi e Denise do trawler Jadi. Guilherme, um Pernambucano que tem uma loja de eletrônicos, Autorizada Raymarine, é um excelente técnico, é muito atencioso. Trocou o display do piloto que estava dando problema, segundo ele defeito de fábrica. Conversamos muito sobre o Caribe e o Brasil, tomamos umas cervejas no Entre Pólos, matando a saudade da cerveja brasileira e da nossa cachaça. Grande figura.
Dia 2/5 à noite chegou o João Pedro, e dia 3/5 ao meio dia o Tau Golin. Os dois tiveram problemas no atraso dos vôos. Um problema que tive foi o feriado de carnaval em St. Maarten. O comércio fechou na terça feira e só abriu na segunda, dia 4/5. Eu precisava comprar algumas peças e equipamento de reposição, mas com este feriado e o atraso dos tripulantes que eu contava para ajuda na faina, ficou meio apertado para deixar tudo em ordem. Baixei um fax meteorológico ainda na marina para checar se estava tudo bem com o programa. Aproveitei e expliquei aos tripulantes como funcionava. O João Pedro que gosta mais de computador ficou encarregado de todos os dias, ligar os equipamentos e baixar as previsões. Dia 5/5 fizemos o rancho para a travessia. No dia da partida tivemos uma despedida com uma lasanha maravilhosa feita no almoço pela Alexandra. Foi uma despedida em alto estilo.
Saímos com a abertura da ponte das 17:30 horas, rumo aos Açores. Na primeira noite vela, na saída entre St. Maarten e Anguila, o vento virou pra cara e forte, uma pequena tempestade, que não durou muito. Na segunda noite, entrou uma pauleira, e por um anti-jaibe mal feito, e por não estar no meu turno deveria ter desfeito ou avisado a tripulação, para afrouxar a engenhoca se desse alguma virada de vento. E virou, ptqpariu. Deu um jaibe que arrancou o carro de passar a escota da trinqueta de BB, quebrou a ponteira do burro rígido. No dia seguinte consertei o estrago, adaptando a ponteira com um novo furo e uma manilha ao invés do pino. Em Faial contatei o Marcio da Equinautic, que prontamente providenciou a nova ponteira para o próximo tripulante trazer.
Entrou a calmaria. 60 horas de um mar oleoso, e muito calor. O Japonês no porão começava a trabalhar. Conforme eu vinha estudando já há algum tempo as previsões e tendência de tempo para a época, fiz um traçado na carta que comprei em Trinidad, para a travessia. (North Atlantic 4012), com um rumo em curva, subindo ao norte a umas 400 milhas, deixando as Bermudas por BB, curvando em direção aos Açores, Ilha Flores. Tirei pontos da carta a cada 150 milhas, naveguei até próximo ao ponto número oito. Conforme a previsão via fax que tirávamos todos os dias, o vento estava cada vez mais favorável, resolvi mudar o rumo em direção reta a Faial (veja track abaixo), pois economizaríamos mais de 100 milhas. Também navegaríamos entre as baixas e altas pressões, um pouco mais perto da baixa para termos vento. Pela carta sinótica do fax, a baixa estava fervendo. Achamos melhor navegar com mais tranqüilidade e segurança.
Depois da calmaria, velas em asa de pombo, vento SSE de 15 a 20 nós com ondas aceitáveis por vários dias. Tenho um sistema cardã no radar, com dois cabos para regular quando o barco navega adernado. Estes cabos desgastados partiram. Faltou aquela revisão no mastro. O João Pedro se ofereceu para subir e consertar. De noite mais uma pauleira, e das grandes. Põe a grande no segundo rizo, recolhe a genoa, mais tarde arma tudo de novo que o vento caiu, volta toda a rotina: vamos ao mastro, arma tudo outra vez, que de novo o vento apertou.
De repente, um estrondo. A lei do Edi, aquele! O Murf. Aquela revisada no mastro em St. Maarten fez falta. Sempre que subo ao mastro verifico todos os terminais, fiação, parafusos dos trilhos, inclusive o da vela grande que, se afrouxar um parafuso, o grande não desce, e geralmente quando mais precisamos. Bem, com o estrondo os parafusos do trilho do pau de spi afrouxaram, e com a pressão da genoa na pauleira, arrancou o trilho, ficando em dois pedaços, o pau de spi pendurado, sovando o mastro, e de novo, à noite. No dia seguinte fui catar parafusos e furadeira, desentortar o trilho e fazer o conserto. Novas roscas foram feitas. Precisávamos desta armação, pois quase toda a viagem foi em asa de pombo.
O moitão de desvio do lazy jack no mastro do lado de BE, soltou os rebites e caiu. Passei o cabo por dentro do degrau da escada acima, foi tranqüilo até Faial onde foi consertado. De novo aquela subida do mastro fez falta. Todo o dia sai almoço, um dia por tripulante na cozinha. O interior do barco está meio bagunçado. Em Faial teremos faina. Hoje derramei meu cappuccino no sofá da sala, em uma adernada brusca de rajada com ondas de traves. Que lambança. E com leite, o cheiro era insuportável. No Atlântico Norte, estou fazendo a menor média que já fiz em minhas navegadas com o Entre Pólos. Estamos velejando a 48 horas na pauleira, com ventos de 20 a 25 nós verdadeiros, e às vezes chega a trinta. E desta vez é de través, SSE, ondas também SSE. As safadas entram no costado, deixando o balanço desconfortável. Com a vela grande na segunda forra, e genoa às vezes 40% enrolada, não rende a singradura. Também tem corrente contrária. A corrente do golfo acho que era de ferro e afundou, pois não a encontramos. Com exceção das 60 horas de calmaria, sempre tivemos vento. Quando o vento era fraco, ajudávamos com o japonês de plantão. Não queríamos ficar muito tempo no oceano e também tinha a volta apertada do João Pedro. Por um bom planejamento e um pouco de sorte, conseguimos chegar a Faial no prazo.
Os dias passaram tranqüilos. Fazíamos quarto de duas em duas horas. Eu, como sempre, só dormi em minha cabine duas vezes. Prefiro ficar por perto, com um olho aberto e outro fechado, e o cockpit do Entre Pólos é muito confortável. Nossos últimos quatro dias foram ajudados pelo japa, por termos ventos fracos, apesar de favoráveis, dando pouco rendimento na média diária. Então dê-lhe motor. Chegamos dia 21 de maio, na Marina de Horta em Faial Açores.
Singradura diária de St. Maarten a Faial:
primeiro dia, 148mn
segundo dia, 157mn
terceiro dia 165mn
quarto dia 160mn
quinto dia 145mn
sexto dia 131mn
sétimo dia 153mn
oitavo dia 149mn
nono dia 155mn
décimo dia 155mn
décimo primeiro dia 170mn
décimo segundo dia 157mn
décimo terceiro dia 156mn
décimo quarto dia 157mn
últimas 20 horas para chegar em Faial 128mn.
Total de S.Maartem a Faial/Açores, 2.286 milhas, em 14 dias e 20 horas.
Faial é uma Ilha fascinante. O povo é prestativo e educado. Um dia o Tau Golin perguntou a um morador da Ilha onde era a padaria. O Homem o levou até lá, entrou e mandou atender. João Pedro, dia 23 partiu para Lisboa depois de um passeio por Faial. Comecei os consertos e a organizar o barco, Tau Golin se encarregou da faxina. Também aproveitei para subir no mastro para revisar e não correr mais riscos desnecessários. Depois de tudo pronto fomos conhecer a ilha. Alugamos um carro e com 125 quilômetros fizemos a volta em Faial. Conhecemos os dois vulcões, o de Capelinhos e a Caldeira. Andamos por todos os cantinhos da ilha. Queria ficar mais alguns dias pelos Açores.
Fomos ao restaurante da marina de Horta pesquisar preços e conhecemos a proprietária que é brasileira, de Porto Alegre. Além de a comida ser boa, o bife custava Euros 5.00 e na sexta teve uma feijoada à brasileira ao mesmo preço. Ficamos fregueses. Tau Golin vinha desde St. Maarten me conversando para continuar a travessia até Lisboa, pois queria concluir a travessia do Atlântico, e também concluir um trabalho para a universidade, onde ele leciona. Ele tinha passagem para o Brasil dia 15/6, tinha compromisso em Lisboa sobre seu doutorado. Resolvi aceitar seguir mais cedo para o continente, e deixar de conhecer algumas ilhas dos Açores e aproveitar mais o Mediterrâneo. Entrei em contato com o Andreas, que era candidato à travessia Açores-Lisboa, e acertamos o embarque de Lisboa a Barcelona, que em minha opinião foram 987 milhas só de filé.
Dia 29 amanheceu chuvoso em Horta, Faial. Pretendíamos sair para Angra do Heroísmo na Ilha Terceira, distante 60 milhas aproximadamente, tínhamos uma previsão boa. A chuva e o contra vento que veio eram localizado. Saímos às 11 horas. A chuva deu uma trégua e veio um vento de través fraco, que durou uma hora + ou menos. Para ir à ilha Terceira saindo de Faial, passa-se por entre a ilha do Pico, afastando–se do Faial. Passa-se Pico e Ilha São Jorge, navegando neste corredor por aproximadamente 35 milhas. E chuva e contra vento. Ondas curtas e altas varriam o convés. E muito frio. A 15 milhas da chegada já não tinha vento nem chuva. Chegamos às 10 horas na marina de Angra do Heroísmo. Já escuro o guarda nos auxiliou a atracar. Ao passar o cabo para o guarda senti falta de meus óculos de grau, estava pendurado no pescoço, e deve ter caído no mar ao jogar o cabo. Resolvemos sair para comer, pois não estávamos dispostos a cozinhar e havíamos passado o dia com lanches e frutas.
Angra do Heroísmo é uma cidade maior que Horta. O comércio é bem variado, com muitos restaurantes e, ao contrário de Horta, a vida noturna é bem agitada. A marina é menor, mas muito boa. Tem toda a estrutura náutica que precisar nas duas ilhas. Em Angra mergulhei para revisar o casco, em um dia ensolarado e bonito, mas a água gelada de doer, dói mais que parto de porco espinho, mesmo com neoprene, também achei meus óculos a oito metros de profundidade, com total visibilidade da transparência da água na Marina. Conhecemos bem a cidade. O interior da Ilha fica para uma próxima, pois o Tau Golin está com os dias contados, e eu aceitei levá-lo até Lisboa.
Agradeço o Tripulante João Pedro Wolff pela parceria na travessia do Atlântico, Sint Maartem A Açores Ilha do Faial.